É difícil cumprir o papel de investigador quando o mistério a ser desvendado é o próprio passado. É o que descobre o protagonista de Valsa com Bashir, um roteirista israelense levado a escavar suas memórias da invasão do Líbano por Israel, em 1982, e dos massacres de Sabra e Shatila. Procurado por um amigo e ex-colega de serviço militar perturbado por sonhos que remetem ao Líbano em 1982, o protagonista sem nome (o próprio roteirista da história, Ari Folman) dá-se conta de que não tem memória alguma da participação no conflito, mesmo tendo estado bem próximo dos massacres de palestinos em Sabra e Shatila. Passa, então, a buscar respostas para o próprio esquecimento em entrevista com ex-colegas e outras pessoas que estavam em Beirute durante o período. Comparado muitas vezes a Persépolis, de Marjane Satrapi, também um relato de tempos de guerra no Oriente em quadrinhos e em cinema, Valsa com Bashir, contudo, tomou o caminho inverso. Enquanto a história de Satrapi foi primeiro concebida como uma extensa obra em quatro volumes e mais tarde adaptada pela própria autora para o cinema, Valsa... começou como o projeto de um longa em animação (veja o texto ao lado) e depois foi adaptada para os quadrinhos. O que talvez explique sua extensão menor (120 páginas, quase o mesmo que algumas revistas de linha de Marvel e DC) e sua diagramação mais conservadora (várias páginas repetem o mesmo layout). Esse formato menos ousado, contudo, chama a atenção para o que a graphic novel tem de melhor: seu ritmo entre o lacônico e o impreciso, emulando as descobertas do protagonista a cada memória recuperada. No caminho, a história reconta a invasão, ocorrida em represália ao assassinato, antes de tomar posse, do presidente eleito do Líbano Bashir Gemayel, líder das milícias cristãs pró-Israel. Os desenhos de David Polonsky, diretor de arte do longa, são angulosos, um traço moderno, áspero, que logra grandes efeitos mais com sombras e cores do que com um desenho hiperrealista.