Só a distância traz o espírito do tempo. Será incompreensível para as próximas gerações perceber o que foi o Inter dos anos 2000, e também o Impedimento, sem ler essa obra de Douglas Ceconello. O Impedimento surgiu como um podcast em um contexto adverso- era necessário baixar o programa, quase sempre em internet discada, e ouvir em um computador de mesa. Tinha pouco mais que dez ouvintes – eu entre eles. Com todos seus integrantes no brilho dos vinte e poucos anos, voltou como blog no coletivo criado pelo falecido Gabriel Pillar, um homem bem à frente do seu tempo. Tornou-se uma comunidade de leitores, antes das redes sociais. Foi uma construção coletiva na sua essência. Todos os textos eram influenciados e pautados pelos comentários, antes que houvesse um algoritmo que fizesse disso regra. O Inter daquela época não era diferente- a senda de vitórias surgiu junto com o envelhecimento dos otomanos que dominavam o clube nos anos 80 e 90, a gana de diretores jovens que não poderiam ficar à sombra daqueles; a criação da Popular, torcida que uniu de viúvos e viúvas da Coreia a universitários e insatisfeitos com as organizadas. A história dos vencedores falará do número de sócios e das milionárias vendas de jogadores, mas o Inter é multiplicidade desde o seu nome de batismo, e poucas vezes foi tão múltiplo. Da loirice fleumática de Sóbis à negritude debochada de Rentería, da aridez de Clemer ao refino de Fernandão, da ciência de Carvalho à paixão de Abel. Douglas Ceconello, carcamano de Cachoeirinha, jornalista com texto literário, sem medo de se engajar e assumir sua essência de cimento de arquibancada, é a pessoa ideal para traduzir esse espírito do tempo. O futuro rirá, uma vez que saber o time de um repórter está ao alcance de uma foto do passado no Instagram, mas o fato é que nos anos 2000 assumir-se torcedor era um pecado mortal para alguém que estava começando no jornalismo.