Quando fui convidado pelos autores para redigir o prefácio deste livro me encontrava em quarentena recém-iniciada após exercer o cargo de Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)por praticamente dois anos durante a gestão do Ministro Fernando Coelho Filho.Confesso que no inicio hesitei em aceitar o convite devido ao meu estado de "ressaca" do setor energético,mas após ler o livro não contive o entusiasmo,decidi que "tinha algo a dizer" e nasceu esse prefácio.Conheço os autores desta obra de longa data.Marcelo e Paulo são amigos e sempre estiveram envolvidos em minha vida profissional através de infinitos debates técnicos profundos,abordando temas que iam desde a melhoria técnica de um estudo de consultoria,de um ambiente de negócios e até de um país.O espectro profissional de atuação desta dupla,com mais de 15 anos de experiência,engloba praticamente todos os segmentos da cadeia de valor do setor elétrico (geração,comercialização e consumo),da academia e do setor financeiro.A longa atuação no setor possibilitou que os autores vivenciassem uma série de episódios marcantes no setor elétrico brasileiro que corroboram o comportamento cíclico da evolução do setor de infraestrutura de qualquer país.No caso do Brasil,essa evolução foi marcada por grandes intervenções -que quase levaram a indústria à sua quebra física e financeira -e tentativas de melhorias.A vivência,associada ao conhecimento técnico dos autores,permitiria que eles tivessem preparado uma obra com 2.000 páginas que descrevesse em detalhes a cronologia completa dos eventos do setor,acompanhadas por uma detalhada explicação técnica,análises críticas e discussões analíticas sobre cada acontecimento.No entanto,os autores escolheram o caminho mais difícil para quem tem tanto conhecimento: o de recortar a realidade vivida e escolher os fatos relevantes a serem contados e fazê-lo de forma leve,descritiva,sem tecnicismos e com um enfoque praticamente jornalístico -corroborado pela escolha de Rodrigo Polito,um experiente e competente jornalista especializado no setor elétrico,como Organizador.Visando registrar as peripécias do setor elétrico brasileiro em seus anos recentes mais agitados,de 2012 a 2018,este livro relembra diversos episódios marcantes para a indústria elétrica brasileira.No plano das políticas públicas e regulação o leitor encontra aqui a lembrança da MP 579,que embora buscasse atingir um objetivo nobre,foi uma forte intervenção sem diálogo com o setor em 2012.A MP 579 é contrastada com o projeto de reforma do setor elétrico colocada em ampla discussão com a sociedade,por meio da Consulta Pública 33,durante a gestão do Ministro Fernando Coelho Filho,seguida pelo projeto de privatização da Eletrobras.Ambas as medidas,datadas de 2017,buscavam justamente corrigir muitos dos problemas oriundos da MP 579 e preparar o setor elétrico para um futuro que será diferente daquele que temos hoje.A forte evolução tecnológica e pressões ambientais provocarão a crescente participação de renováveis na matriz energética brasileira,que impactam o setor de várias formas.Condições para a participação mais ativa de consumidores na gestão de seu consumo de energia,por meio da implantação de geração distribuída promoverão mudanças de padrões de consumo,preços e contratação de serviços,criarão fricções nos modelos de negócios hoje prevalentes,produzirão novas oportunidades e uma transição para um setor elétrico no futuro distinto do atual.O livro lembra que este futuro já vem chegando ao país.Relatos que mostram os aspectos ambientais na expansão da oferta do Brasil,incluindo o papel das renováveis,os "booms" de migração para o mercado livre e a necessidade do maior desenvolvimento da indústria de gás e sua interação com o setor elétrico estão presentes.O leitor também será lembrado que há fatos exógenos e importantes -como crises econômicas e hidrológicas -que afetaram o setor e podem vir a afetar novamente.Também é descrito no livro como o nível de centralização das decisões,no período 2012 a 2018,foi excessivo e levou a uma grande judicialização no ambiente de negócios.Por fim,é preciso lembrar ao leitor como o mercado financeiro pode ser muito útil para o setor como fornecedor de liquidez,gestão de risco e indutor de mais descentralização na tomada de decisões no setor -que é justamente a espinha dorsal da Consulta Pública 33 -com efeitos benéficos concorrenciais,de menor judicialização e com isso tarifas mais competitivas.Vale a pena ler este livro? Sem dúvidas! A obra traz uma riqueza de fatos e informações narrados por quem vivenciou todos os episódios descritos e se posicionou formal e publicamente na época de ocorrência de cada um deles.É uma leitura leve e nostálgica para quem vivenciou estes eventos e gera um aprendizado para quem quer entender mais da complexidade do setor elétrico brasileiro.